domingo, 4 de julho de 2010

Delírios

Esferático caminho de uma terra deserta
esconte no infinito a busca lunática
derrama no horizonte
o rio petrificado e seco do desejo
e dos olhos a sperança primeira
a cada piscar distraído,
preguiçoso, pré-ocupado
lentamente as cores se abrem
o que era pedra se fecha
oportuna hora do sonho
acordo alucinado,
atordoado, amedrontado
seguindo em frente caio no abismo
parado me pego em chamas
a dor meço
faço as contas
cá ninho, carinho
caminho
e não saio do lugar.


Mônica Fernandes

De-lírios

"De campo, de fardo, de tanto..."
Tem cidade que é intensa e intensidade que disfarça. É um leque que não fecha, contínua asa do tempo que não corre nem vagareja: segue o tráfego nodoso de pessoas incertas... Diferença contida na igualdade solitária.
Pois a neve... arde em coração inconstante e queima, palavra por palavra, aquilo dito sem querer. Daí, um dolorido espasmo da primeira à segunda conjugação - descontra'ação.Longe o eu de tu, o nós de vós, o eu de vós e o tu de nós. Um nó, aí.
Desfazê-lo em tarde de sol com frio. É que dói a coloração pungente: Au!sência, S(au!)dade. Mais, um toque, o abraço, o sorriso do corpo acompanhando a graça do desenho linear. Desfigura, até então, morara lá.
Quando, todavia, ressoa o tímbale no olhar de reencontro, ambos correm em direções contrárias. Corpos com vontade única de recuperar aquele compasso surreal de descoberta. Mas num piscar retardado, faz que recuperaram-no.
Por conseguinte, volta o rítmo dos oculares dicentes, fica o tirocíneo hoje entardecido, entorpecido... Melhor que o verbo, pronome e substantivo é a vida agramatical do homem cujo sustenido faz bemol em união.
De fato. Fatídico ato. Riso do tato. E desconversavam-se os pensares, às vezes. Entretanto, entre atos, fatos tatos, amar é isso e esse além. Dispensar os despensares e pontuar o suposto final num carinho fraterno. Descer do carro, pactuarem-se de-lírios.

Júlia de Mello

quinta-feira, 25 de março de 2010

Resolução

enigma feroz do amor
esconde num segredo a resposta
tempo que levo para descobrir
a natureza carrega na sombra
mesmo longe lhe dá vida
enquanto aparece, ela se esconde
e o oculto anelo se mostra
revela, transcende
em toda célula do corpo
em cada fio de cabelo
minha órbita celeste no jardim obscuro
só tem luz por sua existência
Mônica Fernandes

Resposta

           Não sofre. Existe, ainda que com a luz apagada. Não esconde: Numa fresta, um raio e um clarão. Ausência de despedida, perdida. Mordida que não cruza... Um sorriso.
          Desnecessária resposta incontida em tempo, o segredo sólido, sórdido, esquálido. O silêncio... E as pessoas andando não pensam, sem verem. Quando menos se espera, o batom acaba, a caneta não escreve, não há mais borracha, desaparece. Lá, mais além, a natureza se incumbe da sombra irreal, avital... Imortal olimpo dos deuses, surreal.
           Se pára a ação, separação. Mais um filme que passa do fim pro começo como quebra cabeça a se desmontar, no retorno à caixa: Orbital celeste cuja presença só ilumina ao estar destampado. Sobretudo, quando a libélula pode voar.
           E no encontro molecular com  céu e contra ele, o vento, gotícula de água... Voa em-contra, se encontra, se perde na liberdade inerente a vida. Em cada célula, espaço, poeira, inseto que engrandece pequeno ora torna-se menor.
          Que, no entanto, sente-se vivo apenas pela presença e para não abandoná-la. Ficou sem, vontade.

Júlia de Mello

quinta-feira, 4 de março de 2010

Janela

olhar é intenção.
movimento meu desejo
para onde direciono minhas retinas
janela aberta do ser
que se revela transparente
humana definição abstrata
determinada objetivamente
olho o horizonte
o emprego, a criança
a visão se faz pensamento
e o pensamento transforma a visão
controle remoto da mente
cores, foco, efeitos
segundo a luz do meu olhar
o mundo é projetado
e por si mesmo planejado.




Mônica Fernandes

Ágrafo

                             O mar encontrou-se no céu... ondas de nuvens: o sólido tornou-se eterno. Pois que bastam segundos de um momento e tornam-se. Então, saudade... Vontade, desejo que se liquefaz.
                        Eis que os olhos focaram-se: Espelho de amantes, Intenção. Opção, portanto, de deixar só o que foi só para não ser mais metade. E o sentido mudou quando os olhos no firmamento viram o mesmo nos olhos de alguém. Janela (in)discreta.
                        O vermelho, nas flores do jardim que brincava, encontrou-se, de repente, no batom da mulher. Transformação transfigurada pela poesia do caminho: andar ladrilho por ladrilho, na rua nua.
                        Aí, invade a antecipação da possibilidade de morte... Pela falta. Por que dormindo, não sentia falta. Ela corroía a intensidade da vista - Opnião.
                        Ao sorrir, enfim, a alma, ora contava, ora desmentia... Arcada dentária apenas, mais lágrimas. Máscara eficaz aos pequenos, todavia, ninguém engana um poeta.
                        Silêncio. Palavras sem palavras. Crônicas crônicas sem texto. O mistério, o fim e um olhar... 

Júlia de Mello.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Camiseta

Alma vestida de dias felizes
descansa pousada num ramo em flor
pernas pr’o ar
Fosse o rigor da situação
de terno e gravata
o corpo outdoorava
do alto dos muros
sua fachada
A borboleta está descalça
anda na praia
senta na areia
paira nas ondas
toca o mar
é o que é
O cachorro vira as costas
fareja comida, deita e dorme
enquanto a água toca seus pés
num convite à paixão
ele levanta a cabeça
e obedece seu dono
Fosse a beleza do encontro
o corpo se estendia no chão
e de camiseta apenas
contemplava o céu.

Mônica Fernandes

Praia


A ressaca, cansaço mórbido do estômago enxovalhado... A borboleta, liberdade da mente, do olhar, de falar, de ser físico e éter... O cachorro, a docilidade companheira de si própria, companhia só... E o mar, que leva a superfície pro fundo e traz dele, novamente, a superficialidade...
Num jogo de pernas e patas. A borboleta sobrevoava a areia da praia – aragem branda- um tanto clara, um tanto escura, a liberdade. Quando o cachorro corria em rodopios e saltos e vivia o ser voador. Cheio de cores. Preenchido de vida momentânea.
Então o mar; E a ressaca. Aquele cujo trazer e devolver delicados proporcionavam a imensidão... de tudo. Por mais, a saudade, a vontade de ir e voltar, como as ondas, como também, o desejo de ficar... Liberdade frívola e libertina, mas liberdade...
Além, o sol e pedras e conchas... O céu. Estéreis. Assim a comunhão da temperatura, da âncora, do passado fóssil. Eis que, mesmo na sombra, se está quente devido à âncora etérica e distante, afim de distanciar daquilo que simples e puramente está, para o que complexamente mergulha no que ficou vivendo o que simples e complexamente esteve, está... só. Liberdade...
Liberdade de pensar: Sonho.
De repente ficam no quadro inconstante arenoso, na profundeza e superficialidade da ressaca, a palavra do... sonho ex-tático(a).
Ah. O cachorro, ao ver a cena, subitamente correu brincando com pernas e patas, saltou e penetrou o que havia de borboleta, de vôo, de sonho, e por algumas frações de segundos, até curou a ressaca marítima de ali estar liberto...

Júlia de Mello

sábado, 27 de fevereiro de 2010


Mônica Fernandes

Sabonete

                Durante os anos, já se brincou muito na lama, deitou-se tantas vezes no chão, a chuva banhou (e banha!), até hoje, o presente. Da janela, da mesma forma, o vento trouxe e levou muito das pessoas... Máscaras que permaneceram e se quebraram nas mãos do mago, o duende do tempo (tão jocundo!). Assim, o que era, já foi, o que é está passando e aquilo que virá a ser chega e pára - passou à passado.
                A criança a crescer com o velho - que rejuvenesce quando vai descobrindo o fim. Aí, ao se encontrar nos últimos grãos de areia da ampulheta... toma-se um banho! Faz-se, então, primeiro a limpidez das mãos na pia do banheiro... As portas trancadas para os pés no piso frio do in...cômodo. Eis que a água, também fria, incorria no álbum de fotos cujas imagens se esvão junto da espuma fina que se forma exalando cheiro de mar... lágrimas. Seca a mão.
                E já despida, coloca no cesto de roupas sujas o que não repetiria. Depois, entra na cascata ascendente e torna cinzas. Logo após, o sabonete faz seu truque (mágica!): do pó negro, a espuma, a volúpia do nu frio contra o nu fervoroso, à areia fina de esperança: a fênix.
                O sabonete, portanto. O sabonete por tanto tempo foi só e apenas. O sabonete cúbico e cilindrico que agora colore as curvas de marfim e corrói o que já não se quer, o que sai pra não voltar e que depois de todo esse tempo, passou e depôs à favor de ser feliz!

Júlia de Mello

Pena

O que nos mostra o caminho?
o desejo
corvo negro da solitária decisão
os passos obedecem à dúvida
e a estrada se faz
infuso tema da vida
borda a espera
e o silêncio
pássaro futuro mistura a tinta
mas esboça o traço ferido
cores erradas, esquálido tecido
tentativa? sorte? destino?
história premeditada
reviravolta
vira voo
braços abertos ao encontro
apenas o grito da ave
ecoa no alvo horizonte
e o vento espalha no chão
as brancas penas do medo.

Mônica Fernandes

Anátema

                No branco, a paisagem em cores que buscam... E um corvo sobrevoa o firmamento. Pois não ha montanhas tão altas, nem mares, nem tudo, que impeça o romper! A procura é, assim, o cume da paixão. Todavia, ao unirem-se as mãos, o grito esganiçado da ave se cala num encontro cujo objetivo é o desvanecer num abraço infinito.
               Um sol em vermelho, também, se punha, e renascia durante... Num constante surpreender quase que doloroso de tanto os olhos brilharem. E dois corações sincronizam seu bater quando subitamente se explodem em fogos de artifício no céu crepuscular.
               Lá. No chão - não firme -  uma flor solitária. Seu cálice soldado no caule, enferrujava com a espera: Recôndito amor enterrado em campo de girassóis a buscar luz...
               Eis que o pássaro (re)pousara sobre um galho e de lá avistara a vida sem rima. O radical da existência é o encontro, contudo, a palavra final... Amor.
               Restara, enfim, o corvídeo esquálido e só de amor... Mais o tempo. Além das brancas penas.
               À mirar o brilho edaz. Eclipse.


Júlia de Mello.

Cavalete



Pinto um sonho no futuro.
As tintas cobertas de medo
derramam obstáculos:
muitas cores, uma sombra
A paisagem esboçada
não precisa o desenho
O cavalete onde eu moro
moldura ao longe o desejo...
Troco os pincéis ou a saudade?
Não, eu olho o horizonte!
Meu combustível secreto...
Até que a distância se aproxime
a doença acabe
a ansiedade se cure
o sonho se alcance
a viagem se faça
e as cores de uma nova paisagem
se misturem na minha janela...
Não é a última que morre
Mas a primeira que salva.

Mônica Fernandes

Cavalete

                
               Da lata saía a mistura do devaneio com o sólido de viver. E o pôr-do-sol nascia em meio à chuva que, portanto, resultava num arco-íris, onde os olhos descansavam.
                Na mente, do mesmo modo, misturavam-se os cubos de vida no refresco da alma - Idealizar... e a esperança nascia em meio ao sonho... Um objetivo, então. Aí:
                "O menino e a menina se encontraram no jardim do parque. No riso dele, a princípio, o esperar, enquanto, contida nos olhos dela, a resposta. Eis, no sorriso dele, assim, a certeza de que o relógio estava parando. E o tempo passou... O homem olhava, esperançoso, a mulher e ela sorriu respondendo pela eternidade..."
                 De súbito, voltara ao ateliê e voou rumo ao que alí havia imaginado. Voltara, dessa forma, seu olhar de sua tempestade para o quadro: Relâmpagos do que tinha sido, raios do que era e gotas do que esperava ser. Estar ali, anda que desacompanhado, já era uma das (tantas) realizações. É que esperava...
                 Pintou, então, a menina sentada no banco e só. Até que o vento bateu e secou a tela. E o óleo e a tinta que a esperança eram...




Júlia de Mello

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Adultério

Calar meu interior
é sufocar o que mais forte
chora, suplica,
sofre.
Rir da alegria
É pedir que a tristeza fique,
Impedir o sincero sorriso.
A solidão persiste no interior
E agora só resta um vazio.
Dor.
Negar o que é natural...
A criança que tenho em mim
Me completa
E e difícil entender
Que o sorriso que trago engana.
Brincadeira...
Rir da alegria é um prazer -
Dever.
Não é possível deixar os meus olhos
Singelos darem lugar
Para os seus.
Além do meu coração infantil,
Há muito para se aprender.
Em cada momento,
É preciso humildade para ver.
Brincar com as coisas da vida
E seus problemas,
Dançando despreocupado
Ao som do vento.
E ainda insistem em me
Ver crescer.




Mônica Fernandes

Aniversário

Se abro a porta vital escancara-se um mundo de pontos, travessões, vírgula, exclamações e interrogações. O correr do lápis é um milagre divino, bem como a maldição do poeta orfista. No entanto, cultua-se a alma viva, enquanto o corpo morre – num caminhar sem fim – de exaustão.
A respiração, portanto, suga rimas pulsantes e as horas se vão, não despedem. Onomatopéias, reticências, figuras: Criaram-na num texto eterno, etéreo, além... Aí, de quando em quando, o lirismo toma o todo da formiga e a faz borboleta... uivante.
Ah... Desse modo, ela vai e voa em busca do intenso, profundo: poesia, prosa, amigos poetas, como também, filosofias. Assim, em constante vôo, mergulha fundo nas alturas das idéias perfeitas, todavia, sem ter precisado de reminiscência alguma. Cresce. Cresce... Metamorfoseia!
Eis que a mariposa se descobre num mundo de dramaturgia. Veste, pois, personagens: a princesa, a adulta, a filha; Tenta ser a esperança, contudo, consegue e desiste (depende); amiga, o pensamento promíscuo (prazer!), a neta, o absinto inspirador, a candura, a menina sonhadora – sempre. Em outras palavras, é um caleidoscópio de risos e prantos e medos e momentos felizes. E cresce.
Segue o fluxo! Sábio foi Heráclito que não se banhou duas vezes na mesma água. Em contraste, os quirópteros perdem-se na imensidão crepuscular e, também, no anoitecer enluarado. Badaladas, enfim, soam o passar dos microssegundos vividos por mais um ano que se vai, e foi.
Dessa forma, esvai de mim pro leitor, meu tesouro secreto. De súbito revela-se o milagre, a clausura, meu eterno prazer de berço, sendo, portanto, a caneta, o papel, e as frases. Logo depois, cravam, no peito meu, mais uma estaca do tempo, consumidor do corpo e consolidador das (minhas) palavras.

Apenas a comemoração dos dezoito centésimos.
- Parabéns pra mim!
Júlia de Mello